domingo, 11 de julho de 2010

P R E C E


pintura/Jean François Millet






Iratiense Joel Gomes Teixeira


Cintila o verde ao sol de novembro
Manhã de domingo,trajes de linho!
Carroça vermelha,no assento a velhinha
Na alva cabeça,um branco lençinho


Ao longo das leiras se deitam espigas
É o milho,é o trigo,na dança dos ventos
Acenos sublimes,sutis oferendas
Milagres de grãos gerando alimentos


Colinas e vales,cruzando a ponte
Agora a carroça se faz triunfal
A safira dos olhos alcança o horizonte
Mas o coração fica no milharal


Da torre da igreja dobram-se os sinos
Num eco de fé que aos fieis enternece
E aquela velhinha de passos miudinhos
Aos olhos do mundo,já é uma prece!




Publicado no Recanto das Letras em 25/06/2009
Código do texto: T1667467

domingo, 27 de dezembro de 2009

AMANHECENTE



Lilian Reinhardt

Queria passear de mãos dadas
com a palavra sem conceitos
queria transformar as pedras
em colméias
e gritar a Deus no céu do trovão
que o menino é sempre passarinho
e dá de beber na janela do mundo
a todos os versos
até embriaga-los para
acordar como Manoel de Barros
as cores do amanhecer
acordar as águas das fontes
revigorar os pés cansados dos montes
e calçar-lhes novas sandálias
para não tropeçar no zênite
levitar sobre a nomenclatura dos vermes
que esgarçam a palavra
no frenesi dos abismos
dizer da alvura das tempestades
além da escuridão
da gravidade da luz
em todas as idades
dar de beber ao cântaro
carregado de ansiedades
que fermenta as leveduras do chão
e sempre sorver de água fresca de verbos
recém –colhidos
queria assim...

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

DA VARANDA DO BANGALÔ DA RUA ALAGOAS



pintura/Bracher

(Memoriais de Sofia/Zocha)

Lilian Reinhardt

Da varanda do bangalô da rua Alagoas
de piso de cimento
com pó vermelhão espelhado
que a mãe lustrava com vasourão
por entre as floreiras altas
muralhadas e salpicadas
de malvas caídas pelos beirais de concreto
via-se o pequeno jardim de cravos
onde rodopiavam as silvosas margaridas
girasolos embecidas
enquanto ouvia-se o estrondoso ruído
do fim do mundo quando passava o trem
na quadra de cima da Vila G
depois da árvore do enforcado
rumo à Araucária das roseirais.
Como tremia o chão!!!!
Passava como um rio desesperado
destravancado de sua guarnição
um vulcão pustulado qual dragão ferido
esquecendo que sob a beiral de seus trilhos
levava consigo uma revoada de moradas simples
como a de dona Anita
e seu João carpinteiro crente
de Edília de Maria
que faziam brilhar as panelas sob o chão de
barro da cozinha de cada dia
Não se via brilho igual de constelação luminar
enquanto o trem passante com suas asas
revoava insano
entre partidas e chegadas
e desfiava suas linhas em curvas e madrugadas
sob os dias e noites dos meus olhos
que ainda petalavam levedavam...
óleos sacros de caramanchão!

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A CANÇÃO DO RIO

foto/Lilian Reinhardt/Guaraqueçaba/PR


CLAUDIO BENTO




Descamba o rio em seu delírio

depois de inventar nascentes e minadouros

demarcar seu curso

lamber praias e barrancas

adentrar suas ilhas

suas ilhotas rodeadas de silêncio e pedras

descamba o rio em seu delírio

em sua desvairada sonata de correntes correntezas corredeiras

sua canção de peixes

suas lavadeiras

sua Yara de cabelos pretos de índia xacriabá

seu caboclo d'água sentado na pedro do segredo

seu delírio sua febre seu desvario

Descamba o rio

em vilas cidades em terras jequitinhonhas

descendo a pedra redonda do Sêrro do Frio

para banhar o vale encantado da infância perdida

em terras de Araçuaí

em terras almenaras

em veredas de Itinga Salto Grande Pedra Verde Guarani

para despencar em terras baixas onde é chamado rio de areia

O rio agora é rio de areia

e persegue o mar

sonha o sal do oceano

para desmanchar-se em lume

agora o rio entre sem licença sem peia

ancho de água e barro

enchente

é o teu nome

que derruba casas

devora terras

doura a sede

despista a fome

o rio agora é fúria

o rio agora é raiva

insano menstruo de sangue e lama

o rio agora é mar

e banha jacintos de chuva

itiras retirantes

diamantinas de luares sobre o espelho d'água do rio

o rio agora é mar

e acaba de invadir Itapebi

muita gente perdendo casas

perdendo vidas

perdendo a alma

só a lama e as cobras perduram neste sertão de sol ardente

um rio é feito de outros rios

para entregar-se a um só mar

o mar de Netunho e Janaína

o mar de Colombo e Vespúcio

descamba

o rio em seu delírio sua febre seu desvario

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

ATÉ A ROSA ADORMECIDA DA METÁFORA


Youssef Rzouga






Dá-me-me a tua mão

é exatamente o quero

tu sabes o quanto

te quero

mas se te fazes obscura

de uma maneira

ou de outra

não te quero mais

Diga-me se é possível

apagar tudo

e começar do zero

convencer o vampiro

a fazer o impossível

para tornar-se belo

como um sol

lançar um desejo atroz

ao espaço

e colher estrelas e flores

ao largo do rio

Diga-me se é possível

jogar-se num mar escuro

e nadando escrever como um peixe

rebelde

cheio de emoção

como um arco-íris

que se expande pelo universo

inteiro

Diga-me se é possível

reciclar os resíduos

das grandes cidades

e injetar a essência

do jasmim em um

mapa fosforescente

Diga-me se é possível

partir uma maçã

pela metade

se é possível

falar mais forte

contar tudo com

mais detalhes

Se é possível

filtrar a rua

e reunir todas

as pessoas numa

praça de bondade

Dá-me a tua mão

é hora de correr

até a rosa adormecida

da metáfora







tradução/espanhol/lilian reinhardt

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

FELIZ NATAL! RADIOSO 2009!

Lilian Reinhardt
Saúdo-te pura essência!
Tu és morada única
em todos os reinos
na acústica dos meus sentidos
Belíssimo és Tu
na manjedoura do horizonte!

domingo, 19 de outubro de 2008

SERENO PENSAR

desenho/Chico Steffanelo

                      poema por CHICO STEFFANELO


Ah, minha irmã,
A tua voz é um puxão no cordão da minha alma;
Volto porque me apraz voltar,
Se não voaria por aí
A ver todas as dimensões
às quais pudessem as minhas asas voar.

Vim só
E só
Voltarei

Por que ocupar-me do que pensam tantos outros
E o tanto enfadonho de tanto que pensam
O que não me apraz pensar?

Tampouco o teu pensar me faria voltar,
Mas tu, oh alma errática, saberias que o pensar é jugo,
Catenas que nos algema a chamados sem fim?

Já pensaste que a ninguém devo reparar os meus pensamentos
Contra a minha vontade sem fim de voar?

Vim só e só voltarei,
Estarei, por tanto, só
No meu derradeiro instante,
Eu juiz de mim;
Por que ocupar-me do vórtice dos pensamentos pequenos?

Ah, não fosse o Amor e eu não ouviria os gritos de ais,
Tampouco os choros daqueles que tocaram nas cordas do meu pensamento
Canções que me apraz ouvir...

Agora sabes
Que eu sei que não é bem assim;

Quebramos as cadeias da escuridão
E do jugo pesado da escravidão
Do engano na longa noite humana,
Trabalhando só;
Chegando e partindo sempre só.

Mas,
Dos grilhões que se partem,
As centelhas iluminam para sempre
A liberdade das asas, mostrando a sua beleza,
E vejo mão estendidas ao longo de caminhos tão distantes...

Sabes agora porque eu volto,
Ainda que não tenha fim
O que se descortina
Adiante de mim
Para eu poder voar.

Volto porque os laços de Luz não são cadeias
São candeias e nos alcançam
Como alcança as nossas preces
Àqueles que vão bem adiante de mim

Se me demoro é porque sou poeta
E me distraio pela eternidade
A testar o meu par de asas
Que se levanta nesta
Um pouco melhor
Das que eu tinha
No outro caminho...