quinta-feira, 24 de março de 2011

PORQUE ERA OUTONO




Iratiense Joel Gomes Teixeira



Engoliu as últimas colheradas de feijão com arroz e o casebre de duas peças tinha ainda aquêle cheiro de mandioca cozida.
Com a trouxa à cabeça,saiu pela porta dos fundos,cruzou o terreiro de chão batido onde adormecia o bronze das folhas de caquiseiro.
Chiavam cigarras e um céu que tombava muito azul procurava espaços entre uma núvem e outra.
A campina,crespa de marcelas,hospedava ovelhas e as cabras,pensativas,mascavam a erva dos tempos.Pelos desvãos da cerca divisou a velha russa,agachada,costurando um retalho à mais no colorido acolchoado.
À beira da sanga,com a saia de chita enfiada entre os cambitos,acocorou-se na prancha de imbuia deitada no lajeado.O sabão de cinza espumou a correnteza e os lambaris ouviram-na cantarolando.O espelho das águas,a mover-se,ondulhou-lhe o rosto na metade quieta daquêle dia.E ela viu-se refletida!...A imagem tremulava e,prêsas às orelhas,as argolas douradas acompanhavam-lhe o tremular da face.
Sentiu-se "Yara",brotando das águas...As mãos em concha banharam-lhe o colo,refrescaram-lhe a fronte e a môça percebeu narcisos nos cabelos úmidos.
Um arrepio!...Um espasmo prazeroso fez-lhe a mais linda das mulheres,a mais nobre em todo o universo.
Louvou a Deus as formas rústicas daquele casebre cheirando à mandioca. Abriu-se num sorriso manso,sem destinatário,e o entregou "aos cuidados" do mundo.As batidas das roupas cadenciaram-lhe as cantigas e de quando em quando num olhar mais distanciado,encontrou montanhas que azulavam-se e colinas loiras dos trigais do Sul.
Então su´alma emoldurou-se no âmbar da tarde.O ruído dos seixos em pequenos estalos,fuxicou-lhe aos ouvidos velhos segredos e algumas lembranças de ternuras antigas.
E o coração,trespassado de outono,pôs-se à espera de um novo amor.


Publicado no Recanto das Letras em 21/03/2011
Código do texto: T2862801