sábado, 9 de junho de 2012

O BOMBEIRO E O HIDRANTE

                               conto de Madalena Barranco

A água bloqueada por tanto tempo começou a escorrer. O hidrante de chapéu vermelho apoiado em sua coluna cinzenta e com todas as válvulas abertas, sabia que deveria dosar a emoção cuidadosamente, pois seria o principal instrumento de salvação para o sobrado em chamas. Alguém disse que o imóvel estava vazio, mas, isso não impediu que os soldados lacrimejassem.

Ouviu-se um murmúrio ardente no local do sinistro. Um dos bombeiros protegido pelos colegas arriscou-se a adentrar o incêndio. Enquanto isso, o hidrante afogado em sua própria emoção preocupava-se com o soldado, que naquele dia o libertara da falta de respeito com a qual sofria, em que era diariamente maltratado como poste para cachorros e alvo de chutes, entre outras grosserias. De repente, um estrondo de ferro retorcido mostrou que a casa havia cedido. O bombeiro havia sumido. Mas, o hidrante não desistiu dele e continuou vertendo água pelos braços enferrujados - se fosse preciso ele converter-se-ia no tubo mais poderoso da adutora para salvar aquele valoroso homem de capacete vermelho e farda cinza. Silêncio – o chapéu do hidrante não resistiu à pressão e soltou-se voando para o céu. O público que acompanhava a operação
dirigiu instintivamente seu olhar para cima e após um trovão que ribombou em todos os corações... Desceu a chuva sobre o fogo! Foi nesse instante em que de a montanha de cinzas renasceu o bombeiro, ainda cambaleante com a farda aos farrapos e com o troféu que salvara nos braços.

Alguém gritou: “milagre!”! Os outros bombeiros se entreolharam. Eles sabiam que os milagres ocorriam, por que a Corporação vermelha de luz & amor trabalhava arduamente para fazê-los acontecer, valorizando todas as formas de vida.

O hidrante enferrujado estancou todas as válvulas que pôde, e verteu suas últimas gotas com a cabeça descoberta em sinal de gratidão pela vida e trabalho dos bombeiros. Porém, antes de tombar, o hidrante reconheceu a vítima que fora salva do incêndio pelo soldado, e que latia feliz em sentir-se perdoada pelo seu “poste” preferido.

Madalena Barranco
Da série: Fantasia & Amor
Registro na FBN/EDA